Senadores cobraram nesta quarta-feira (28) a investigação de denúncias de assédio moral e sexual na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). No início do mês, uma reportagem exclusiva publicada pelo R7 mostrou relatos de servidores e ex-servidores que se dizem vítimas ou testemunhas de casos de assédio moral e sexual que estariam ocorrendo dentro da agência.
As denúncias chegaram ao MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União), que pediu que sejam adotadas medidas para apuração de eventuais irregularidades na gestão de pessoas da agência.
Ao falar na tribuna do Senado durante a sessão, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) considerou as denúncias como “estarrecedoras”. “A Anvisa é uma instituição muito importante, cujos diretores são sabatinados e votados por nós”, afirmou. “São denúncias que também chegaram ao meu gabinete. Na época em que houve os casos [de assédio sexual] na Caixa Econômica, eu também me posicionei. Jamais vou deixar uma mulher para trás e estamos cobrando investigação”, afirmou.
Em seguida, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) citou que o Brasil é “um dos piores países para mulheres viverem com tranquilidade”. “A Anvisa trabalha para que pessoas não adoeçam, então é importante passar isso [as denúncias] a limpo. De repente, é até uma ajuda ao setor administrativo”, afirmou.
Dados obtidos pelo R7 por meio da Lei de Acesso à Informação revelam um aumento nos casos de afastamentos de servidores da Anvisa por doenças relacionadas à ansiedade, depressão, estresse e outros transtornos.
Em 2020, houve 76 afastamentos, afetando 60 servidores. Já em 2023, esses números subiram para 150 afastamentos, envolvendo 115 servidores. Isso representa um aumento de 97% no total de afastamentos e 91% no número de servidores afetados.
Possível omissão na apuração dos casos
Na representação do MP junto ao TCU, o subprocurador Lucas Furtado menciona que as denúncias “levantam dúvidas acerca da maneira como a atual direção da agência lida com a gestão de pessoas nas coordenações da Anvisa” e que “a prática de assédio na administração pública configura flagrante violação ao princípio da moralidade, previsto expressamente no capítulo do artigo 37 da Constituição”.
À reportagem, oito servidores e ex-servidores da agência relataram o clima de medo e intimidação. Eles só aceitaram conversar com a reportagem com a condição de terem as identidades preservadas, por medo de retaliação.
Eles relataram casos recentes de assédio em que chefes gritam com servidores e relembraram casos envolvendo Paulo César do Nascimento Silva, ex-assessor especial da presidência da Anvisa, preso em 12 de junho de 2023 dentro das instalações da agência.
Ele ocupava um cargo comissionado desde 2019, responsável pelas relações governamentais. Ele foi exonerado após prisão e condenação por crime de estupro. Na época, a agência informou que desconhecia as denúncias e que a prisão foi uma consequência de fatos que ocorreram antes de ele exercer o cargo de confiança na presidência da agência.
Essa versão, porém, é questionada por alguns funcionários. Os relatos são de que Paulo César frequentemente carregava uma arma dentro da agência e exibia comportamento assediador em relação às mulheres, persistindo em abordagens inadequadas, especialmente com as mais jovens. Os servidores também relatam o medo de retaliações dificulta a denúncia dos assédios.
Oficialmente, em 2023 foram relatados à CGU (Controladoria Geral da União) sete casos de assédio moral e um caso de assédio sexual na Anvisa. Esse número é mais que o dobro do registrado em 2022, quando foram reportados três casos de assédio moral e nenhum caso de assédio sexual. A CGU é o órgão federal responsável por garantir a transparência e a eficiência na gestão pública.
Já a Corregedoria da Anvisa recebeu um total de 13 denúncias relacionadas a possíveis comportamentos assediadores em 2023, um aumento significativo em comparação com as 4 denúncias registradas em 2022, representando um aumento de 225%.
Embora todas as denúncias sejam encaminhadas para processos administrativos, nem todas resultam na abertura de procedimentos disciplinares. Isso ocorre devido à falta de elementos suficientes para iniciar investigações ou de evidências substanciais que justifiquem a instauração de processos punitivos ou acusatórios.
O R7 contatou a Anvisa para obter posicionamento sobre o assunto e está aguardando resposta. Quando a primeira reportagem sobre o tema foi publicada, a Anvisa também foi procurada para prestar esclarecimentos sobre os casos de assédio, porém a agência declarou que não se pronunciaria. Foram feitas tentativas de contato com Antonio Barra Torres, presidente do órgão, por meio de ligações e mensagens, mas também não houve resposta.
Cinco relatos de servidores e ex-servidores sobre assédio na Anvisa
“Gestores chamam servidor de burro”
“Há um clima de gestão bastante complicado, há gestores que chamam o servidor de burro, que mudam o servidor de área sem justificativa, e isso reflete muito na questão do adoecimento dos servidores. Nos últimos anos tenho acompanhado a quantidade de colegas que se afastaram por atestado psiquiátrico, o que é preocupante. Há poucos relatos formais porque mesmo quando chega às instâncias superiores, a atitude é de abafar, o processo é sempre trocar o servidor que é a vítima de área.” (Servidor)
“Não dá para entender a necessidade de portar arma dentro da agência”
“O porte de arma por parte de funcionários da presidência, da proximidade de Barra Torres, é um assunto comentado em grupos de mensagens de funcionários. No geral, os comentários são no tom de apreensão. Não dá para entender a necessidade de andar armado dentro da agência. Nesse ponto, ficamos preocupados se isso pode ser uma forma de intimidar servidores, fazer com que realmente não denunciem abusos.” (Servidora)
“Trabalho se tornou um pesadelo”
“Ter sofrido assédio dentro da agência, para mim, foi uma paulada na cabeça. Eu me senti muito mal e tive danos psicológicos, fiquei com medo de sair de casa, medo até mesmo de encontrar com a minha família. [Estar na Anvisa] era um sonho pra mim, afinal de contas, era o meu trabalho, mas acabou se tornando um pesadelo.” (Ex-servidora)
“Estagiárias são elo mais vulnerável”
“Já presenciei assessores insistindo para sair, para tomar cerveja, para ir na casa de servidoras mulheres, e essas investidas acontecem, principalmente, quando são mulheres mais jovens, as estagiárias, por exemplo, são um elo muito vulnerável, e há gestores que acabam abusando dessa relação. Em certas situações, colegas já disseram que mudaram de posição em um ambiente para evitar que o assediador olhasse para o corpo delas, preferindo ficar de frente a ele em vez de costas.”
“Força-tarefa para ‘inglês ver'”
“Depois do caso do assessor preso, foi criada uma força-tarefa para poder impedir o assédio, mas isso foi criado ‘para inglês ver’. Não há fluxos entre as áreas responsáveis por isso, e essas áreas não estão preparadas para atender esse tipo de violência ou assédio. Existe uma portaria, mas está só no papel. Não existe, de fato, um comprometimento da agência em investigar.”