Professor, escritor, colaborador do Caderno de Sábado desde os primórdios, Antônio Hohlfeldt, escreve sobre a aventura do suplemento literário ao longo da história
A tradição do suplemento literário e cultural do Correio do Povo, o Caderno de Sábado, se firmou em meio a outros suplementos que então circulavam, como o Suplemento Literário de Minas Gerais, bastante identificado com ele. Estas publicações serviram para chamar a atenção para gêneros literários, por exemplo, como o conto – quer o mineiro, quer o catarinense ou mesmo o sul-rio-grandense – quer para autores estreantes, como então o novato Moacyr Scliar, registrando, no momento em que as coisas aconteciam, a revelação de novos nomes que, muitas vezes conhecidos num gênero de escrita, acabavam se revelando muito mais poderosos em outro, como foi o caso da poeta Lya Luft, que se revelou uma extraordinária romancista. No caso de Minas Gerais, foi o espaço onde Adélia Prado publicou seus primeiros textos e, se lembro estes dois exemplos, é porque a literatura brasileira, com raras exceções, apresentava-se sobretudo no masculino.
No caso do Caderno de Sábado, do qual se pode referir diferentes fases, tivemos a perspectiva da crítica, mas também os espaços para a própria produção literária. Sérgio Faraco, por exemplo, chegou a manter uma coluna que não apenas publicava textos de novatos quanto registrava sugestões e conselhos a estes ousados que se decidiam em enviar suas produções para viverem a experiência (às vezes dolorosa) da letra de fôrma.
Uma tese recentemente apresentada na Ufrgs mostra que o Caderno de Sábado foi capaz de articular toda uma relação e aproximação entre escritores do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste, do Leste e do Sul do país, abrindo espaços para as geografias nem sempre reconhecidas como literárias, como era o caso do Paraná, que mantinha um Prêmio nacional, patrocinado pelo Governo daquele estado, em plena ditadura, mas que nem sempre recebia bem seus próprios escritores nativos, bastando lembrar-se o caso de Dalton Trevisan. Por tudo isso, a retomada do Caderno de Sábado, mesmo que em termos menores, é um esforço importante, que precisa ser apoiado. Que precisa ser mantido. Que precisa ser valorizado. Sem saudosismo, mas com a consciência de que o jornal populariza muito mais o conhecimento do que o livro. E que, mesmo quando confrontado com os espaços eletrônicos de sites e blogs, tem a vantagem de poder ser destacado, recortado e guardado, como documento e, porque não dizer, como trunfo.
Enfim, relembre-se, ainda, as variadas e profundas entrevistas trazidas pelo Caderno de Sábado em suas páginas, com artistas plásticos, como José Lutzenberger ou Ado Malagoli, com músicos (com Bruno Kiefer ou Armando Albuquerque, por exemplo), ou, e sobretudo, escritores, como Cyro Martins e Guilhermino César, sem esquecer o polêmico e fundamental Dyonélio Machado.
O Caderno de Sábado era produzido num ritmo de redação de jornal, ou seja, em meio à organização das edições do dia a dia do periódico, mas, ao mesmo tempo, ganhava uma atenção e um carinho especiais: era sobretudo de noite, passada a azáfama da produção informativa diária, digo, a partir das 20 horas, que o jornalista Paulo Gastal, responsável por sua edição, depois de já baixada inclusive a matéria de cinema para a Folha da Tarde (que ele assinava enquanto Calvero), podia abrir envelopes que chegavam com artigos ou textos originais, poemas e ensaios variados; prestar atenção em pacotes que chegavam com livros (sempre enviados pelos correios, no fundo, como hoje em dia) e então decidir como preencher as 16 páginas semanais da publicação.
Ney Gastal, eu e Ivo Egon Stigger, que ajudávamos na produção, disputávamos, na verdade, as capas, tanto a ilustração que seria escolhida, quanto um texto de não mais que duas ou três linhas, em coluna e meia, retirada de um artigo, mas que promovia aquele artigo ao estrelato da edição.
Paginar o Caderno de Sábado não era fácil. De início, os artigos eram escolhidos a partir de um ou dois textos fixos, como a crônica de Clarice Lispector (num primeiro momento), o poema de Mário Quintana (ao longo de toda a vida da publicação) ou o artigo de Guilhermino César.
Ney Gastal, com artigos de página inteira sobre música popular; Herbert Caro, com sua coluna sobre discos de música erudita; e eu, com ensaios sobre literatura, éramos os outros visitantes quase permanentes do suplemento. Mas havia preocupação em se ter espaço para gente de fora do estado, para escritores estreantes, para um equilíbrio entre o poema, o conto e a crítica…
Também eram presença constante ensaios históricos, lembrando os textos de Sebalt Rüdiger ou os ensaios de Sérgio da Costa Franco. Gastal sempre valorizou aqueles autores que já tinham mostrado suas contribuições para os estudos sobre a cultura sul-rio-grandense, mas nunca deixou de abrir espaços para jovens pesquisadores. Em síntese, cada edição do “Caderno de Sábado” era feito com carinho e atenção, com critérios, o que fazia com que ser publicado no suplemento se tornasse não apenas a oportunidade de ver divulgado seu trabalho, quanto receber uma espécie de distinção a seu trabalho.