Um funcionário da Apple me conduziu através do portão de segurança, passei por um gramado bem cuidado, desci um lance de escadas e entrei em uma sala de estar cenográfica, decorada com bom gosto, dentro do Steve Jobs Theatre, em Cupertino, na Califórnia. Fui assistir ao pré-lançamento do novo negócio da empresa, os óculos de realidade virtual aumentada Vision Pro.
Para os primeiros tours do Vision Pro, muitos repórteres que cobrem tecnologia foram convidados. Devo dizer que a demonstração que me proporcionaram não foi nem um pouco cansativa. Usei o dispositivo por 45 minutos sob a supervisão de dois atenciosos funcionários da Apple que apresentaram detalhadamente o produto, enquanto permaneci sentado em um sofá cinza vintage ao lado deles. Não tive permissão para tirar fotos ou gravar vídeos do dispositivo, tampouco levar a peça para casa para fazer testes adicionais.
Meu tempo manuseando o produto foi limitado e, por essa razão, não posso, em sã consciência, dizer se o Vision Pro vale mesmo os US$ 3.500 que pedem por ele. Sim, ele custa nada menos que 3.500 dólares americanos. E leve em conta que nesse preço não estão incluídos impostos ou custos de qualquer acessório complementar – tais como as lentes Zeiss de US$ 100, necessárias se você usa óculos de grau ou lentes de contato, ou um estojo de viagem de US$ 200.
Também não posso afirmar que o Vision Pro resolve o que chamo de “fator dos seis meses”. Já experimentei muitos óculos de realidade virtual (VR, na sigla em inglês). É comum que a novidade inicial se transforme em pequenos aborrecimentos, como gráficos borrados ou falta de aplicativos mais atraentes. Seis meses depois, invariavelmente, todos os óculos VR que testei acabaram guardados no meu armário acumulando poeira.
Entretanto, há duas coisas que posso dizer sobre o Vision Pro nas minhas primeiras impressões.
Primeira: em muitos aspectos, o Vision Pro é um produto impressionante, cuja elaboração levou muitos anos e custou bilhões de dólares. É muito melhor do que os melhores óculos VR anteriores que surgiram no mercado – como a série Meta Quest –, principalmente no que diz respeito ao rastreamento feito pelo olhar e aos controles baseados em gestos. Destaco também a qualidade de suas telas e a maneira como combina experiências virtuais imersivas com o “passtrough”, sistema que permite ao usuário acessar conteúdos sem se desligar do que acontece ao redor.
Eu estava cético quando a demonstração começou – o modo enérgico com que a Apple gerencia seu palco de apresentações me fez pensar que a empresa poderia esconder algo. Mas, enquanto usava o Vision Pro, senti uma admiração genuína e a sensação de estar experimentando os primeiros passos do que pode ser uma grande mudança no futuro da computação.
A segunda coisa a dizer sobre o Vision Pro é que, mesmo depois de experimentá-lo, ainda não tenho ideia para quem ou para que serve essa coisa. Custando US$ 3.500, não é um dispositivo para as massas, nem mesmo para os ricos. É uma peça grande e chamativa. Funciona mais como um símbolo de status para o rosto de quem o usa. O que não quer dizer que o Vision Pro não seja atraente ou que eu não tenha gostado de testá-lo. Depois da experiência, formei uma ideia melhor de dois tipos de pessoas: as que ficariam tentadas a comprar um dispositivo agora, ou as que esperariam para comprar mais tarde.
É provável que o Vision Pro seja uma boa surpresa para os 40 por cento de norte-americanos que nunca experimentaram óculos de realidade virtual.
Se você deseja fazer a primeira incursão na realidade virtual, vale a pena obter uma demonstração do Vision Pro em uma loja da Apple assim que ele estiver à venda ou, quem sabe, persuadir um amigo a deixar que você use o dele. É como dizem sobre barcos: o melhor óculos VR é o que o amigo empresta.
Antes do Vision Pro, os primeiros óculos VR tinham problemas: as telas ficavam borradas, o rastreamento de movimento causava dor de cabeça, os controladores externos eram de baixa qualidade, sem falar no fato de que você não podia fazer mais nada enquanto os usava.
A Apple resolveu muitos desses problemas, começando pelas duas telas do tamanho aproximado de selos postais. São incríveis: nítidas, brilhantes e ricas em detalhes. Quando você olha por elas, sente como se estivesse olhando através de seus olhos e não de uma tela.
Fiquei bastante impressionado com o recurso de imersão do Vision Pro que permite ver o que está acontecendo ao seu redor girando um botão na parte superior do dispositivo.
Ao contrário de outros sistemas VR, o Vision Pro não requer controladores. Para navegar, basta olhar para um ícone. Em seguida, você junta o polegar com outro dedo para selecioná-lo. Precisei de alguns minutos para pegar o jeito.
Usar o Vision Pro é confortável, embora tenha alguns inconvenientes. Ficou bem leve na cabeça e não causou as dores que outros óculos de realidade virtual que experimentei antes provocaram. Senti apenas um leve desconforto enquanto os olhos se ajustavam depois de colocá-lo e retirá-lo. Um colega jornalista, que também esteve na demonstração, comparou isso à sensação que você tem ao sair de um cinema escuro dando de cara com um dia ensolarado.
Não posso afirmar se são problemas temporários ou se me acostumaria com eles, mas é razoável dizer que não foram ruins a ponto de arruinar minha experiência.
Depois de um breve processo de configuração, meu app de gerenciamento de tarefas Apple Minder me guiou até o aplicativo Fotos, no Vision Pro. Encontrei vários exemplos do que a Apple chama de “fotos e vídeos espaciais”, feitos com uma câmera 3D integrada ao próprio Vision Pro. (Os iPhones de última geração, o iPhone 15 Pro e Pro Max, tiram fotos assim também.)
Há anos que alterno entusiasmo e decepção com as promessas de fotos e vídeos em 3D. Sou um pai obsessivo com câmeras e espero o dia em que as imagens 3D sejam suficientemente boas para fazer com que eu me sinta como se estivesse vivendo outra vez uma lembrança de família, e não olhando para um instantâneo granulado.
Olhando fotos e vídeos espaciais no Vision Pro, percebi que o momento que eu tanto aguardava havia chegado. As fotos e vídeos da demonstração incluíam uma cena da festa de aniversário de uma criança, um vídeo de uma mãe fazendo bolhas de sabão para a filha e uma família reunida em torno de uma mesa de cozinha. Eram imagens lindas. A profundidade adicionada pela câmera 3D as tornou estranhamente realistas. Parecia que eu fazia parte da cena. Fiquei com um nó na garganta pensando em poder rever dessa forma os primeiros passos do meu filho daqui a alguns anos.
Embora os recursos 3D tenham sido uma grata surpresa, fiquei menos impressionado quando o dispositivo tentou executar tarefas relacionadas ao trabalho.
A Apple, inicialmente, classificou o Vision Pro como o sonho de qualquer funcionário de escritório: um computador espacial que permite criar a própria configuração de desktop e levá-la para qualquer lugar. O usuário pode abrir qualquer número de janelas virtuais, redimensioná-las e movê-las no espaço e combiná-las em uma tela Mac que espelha o mundo real.
Não escrevi uma coluna ou hospedei um podcast no Vision Pro, mas tentei navegar e digitar na internet e achei a experiência desanimadora. O gesto de apertar, arrastar e rolar em um Vision Pro foi uma dor de cabeça se comparado ao uso de um mouse ou de um trackpad comum. Digitar no teclado virtual do Vision Pro foi outra confusão: era tudo lento e desajeitado. Para digitar nytimes.com no Safari levei quase um minuto. Qualquer pessoa que queira fazer um trabalho real no Vision Pro provavelmente precisará conectar um teclado ou um mouse Bluetooth, o que anula toda a parte de portabilidade que a empresa propagou.
Também as videochamadas não são muito melhores que a navegação e a digitação. Não consegui testar o FaceTime no Vision Pro ou aplicativos de videoconferência de terceiros, como o Zoom. Outros jornalistas deram um polegar para baixo ao Personas – a tentativa da Apple de criar um avatar realista que possa substituir o usuário em videochamadas.
A Apple também está tentando fazer com que o Vision Pro atraia fãs de filmes e de jogos imersivos.
A demonstração que assisti incluiu vários clipes de filmes: uma cena de “Super Mario Brothers 3D”, um trailer de “Star Wars” e alguns clipes de filmes imersivos, produzidos pela Apple. Havia um com imagens de um jogo de futebol e outro de um mergulhador nadando com tubarões. Também vi um vídeo interativo em que uma borboleta pousou em meu dedo e um dinossauro apareceu saindo da tela vindo em minha direção.
Alguns desses clipes eram impressionantes. A tecnologia necessária para renderizá-los em telas tão pequenas não é nada desprezível. Um clipe de uma equilibrista na corda bamba suspensa acima de um desfiladeiro era tão realista que despertou o medo que sinto de altura.
Mas já vi coisas semelhantes em outros óculos de realidade virtual e a experiência de assistir a filmes no Vision Pro não foi tão superior a ponto de justificar o alto custo do dispositivo. O fato de várias empresas líderes de entretenimento, como a Netflix e o YouTube, não oferecerem aplicativos para o Vision Pro também não ajuda muito. Você terá de usar o Apple TV ou outro serviço compatível, como o Disney +, se quiser ter uma experiência totalmente imersiva.
Também não consigo me imaginar jogando em um Vision Pro, pelo menos não com a escassa seleção de games disponível para ele atualmente. Sem controladores externos, o dispositivo não é bom para movimentos refinados ou para pressionamento rápido de botões, o que o torna uma escolha ruim para jogadores sérios. Esqueça também de fazer exercícios com ele; você acha que vale a pena arriscar estragar um dispositivo de US$ 3.500 com o suor do rosto?
O que, definitivamente, aprendi na demonstração – além do fato de que preciso gastar mais tempo com essa coisa para ter uma visão completa de suas capacidades – é que o Vision Pro não se integra ao ambiente tão bem quanto a Apple deseja.
A Apple evitou comercializar o Vision Pro como algo que substitui o mundo real ou isola você em algum tipo de metaverso de ficção científica. Ela deseja que o uso de um Vision Pro seja tão sutil e discreto quanto puxar um iPhone ou um par de fones de ouvidos, os AirPods.
Mas isso não vai acontecer, pelo menos por enquanto.
Muito do que impressiona no Vision Pro se passa em ambientes de realidade virtual totalmente imersos, e não em situações de “realidade aumentada” que a Apple está imaginando, nas quais objetos virtuais são sobrepostos ao ambiente físico envolvente. Embora a Apple tenha tornado muito mais fácil alternar entre os mundos virtual e físico, ainda há algum atrito nessa operação.
Os óculos VR, sem dúvida, ocupam um nicho que atrai a atenção. É por isso que o mercado-alvo do Vision Pro, atualmente, inclui tanto os exibicionistas (pessoas que querem ser notadas porque usam a engenhoca de última geração da Apple) quanto os reclusos (pessoas que raramente saem de casa – mas, nesse caso, quem se importa se o dispositivo atrai olhares?). O fator novidade pode acabar, mas ainda é algo a ser considerado para quem deseja passar despercebido enquanto usa um Vision Pro. Goste ou não, a Apple construiu um dispositivo que é muito grande para ser ignorado.
c. 2024 The New York Times Company
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